sábado, 7 de janeiro de 2017

Resenha: O problema dos três corpos

O problema dos três corpos (Sān tǐ), Cixin Liu. 316 páginas. Tradução de Leonardo Alves da edição em inglês The three-body problem. Editora Companhia das Letras, selo Suma das Letras, São Paulo, 2016.

Histórias de contato estão entre as mais praticadas dentro do gênero da ficção científica. Algumas delas são muito criativas quanto aos problemas inerentes da troca de informação entre raça humana e alienígenas, em que quase sempre o que é dito por um não é bem compreendido pelo outro, gerando muitos desentendimentos. Mas, em algum momento, o diálogo se estabelece e as coisas se acertam. A não ser naqueles casos – bastante frequentes diga se de passagem – em que uma das partes quer destruir a outra. Aí temos uma história de invasão, que também é um tema muito explorado pelo gênero.
Sabe-se que toda a história de invasão ou de contato, remete-se à comunicação entre os próprios seres humanos, em que as barreiras linguísticas, culturais e econômicas geram situações de opressão incontornáveis para a parte tecnologicamente mais fraca do diálogo. E é muito difícil escapar dessa interpretação, mesmo que o autor diga que não se trata de uma metáfora. Inclusive no caso de O problema dos três corpos, romance do escritor chinês Cixin Liu, que ganhou o prêmio Hugo de melhor romance em 2015. O Hugo é o mais importante prêmio da fc internacional, promovido pelo fandom norte-americano e votado durante suas convenções. Foi o primeiro romance de um autor não anglófono a obter o mérito, mas ele não veio por acaso: Cixin Liu já tinha o reconhecimento de seus conterrâneos, visto ter ganhado oito vezes o Galaxy Award, o mais importante prêmio chinês do gênero.
A história se inicia durante os conflitos da Revolução Cultural. As primeiras cenas são chocantes e relatam o assassinato de um acadêmico por seus próprios alunos, diante da filha que assiste a tudo sem poder intervir. Essa estudante, chamada Ye Wenjie, será protagonista de um cabo de guerra entre a humanidade e uma raça alienígena, mas ela ainda não sabe disso. Por hora, é apenas uma jovem solitária e traumatizada, também perseguida pelo governo chinês. Às portas da execução, recebe a oferta de ser poupada em troca de  trabalhar num programa ultra-secreto do governo, cujo objetivo é buscar o contato com alguma civilização extraterrestre.  Ela aceita, apesar de saber que será prisioneira num laboratório remoto, chamado Base da Costa Vermelha, e que talvez nunca mais saia de lá.
Anos depois, em nosso dias, cientistas destacados em suas áreas começam a desaparecer em todo o mundo, causando estagnação no avanço da ciência. Alguns deles chegaram a se suicidar depois de concluir que a ciência é inútil. O pesquisador chinês Wang Miao, especializado em nanotecnologia, é assediado por um grupo de homens de seu governo que pretende recrutá-lo para algo que eles chamam de "guerra", embora não exista nenhuma guerra sendo travada no momento e ninguém fale claramente a respeito.
Entre o grupo está o detetive de polícia Shi Quiang, que passa a ser a sombra de Miao pois desconfia que ele pode ser uma futura vítima. A suspeita recai sobre um  grupo de fiéis de uma religião integralista que se une em torno de um sofisticado jogo de imersão total online chamado "O problema dos três corpos", no qual filósofos do passado da Terra, mas que vivem num mundo que orbita um sistema de três sóis, tentam desenvolver uma teoria que preveja, com exatidão, os drásticos fenômenos climáticos que assolam o planeta, de forma a permitir que a civilização se proteja antecipadamente dos cataclismos mortais que a abatem periodicamente. Nessas circunstâncias, a civilização desaparece e o jogo acaba, para retornar em outro momento da história quando for feito novo login.
Quando Miao passa a enxergar no fundo dos olhos uma aterrorizante contagem regressiva que mais ninguém vê, busca ajuda com uma envelhecida Ye Wenjie, e acaba por se envolver com o estranho jogo. Com a cientista anciã, fica sabendo o que aconteceu na Base da Costa Vermelha, bem como o significado do problema dos três corpos – que ele ajuda a solucionar – e como tudo isso se relaciona com as mortes dos cientistas e a iminente invasão alienígena na Terra.
Cixin Liu é engenheiro, chinês de nascença, e ainda reside na China onde desenvolve uma bem sucedida carreira como escritor de ficção científica, gênero do qual se declara fã desde a juventude.
Diz o autor no posfácio que fecha a edição: "não uso minha ficção como um modo mascarado de criticar a realidade do presente. Acho que o maior atrativo da ficção científica é a criação de diversos mundos imaginários fora da realidade". Contudo, é impossível não ver em O problema dos três corpos uma série de metáforas muito bem assetadas. Sinal de que, como sempre me pareceu correto pensar, as obras têm pretensões próprias que nem sempre são compatíveis com as de seus autores. O leitor experiente também vai perceber uma série de homenagens sutis que o autor faz à importantes obras da ficção científica. Fica a dica para quem quiser se divertir identificando cada uma delas.
O problema dos três corpos funciona muito bem como obra única, mas trata de uma trilogia, cujo título geral em inglês é Remembrance of Earth’s past. Além do primeiro volume, originalmente publicado em 2007, as sequências são The dark forest (2008) e Death's end (2010), e espera-se para 2017 o lançamento de um filme baseado no romance. Tomara que tudo isso também chegue ao Brasil.

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