terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Resenha: Bom de Briga, de Paul Pope

Todos os leitores de quadrinhos sabem o quanto é raro que surja uma nova boa ideia em meio às centenas que lhe são oferecidas diariamente, em especial o gênero dos super-heróis, que está em crise criativa há pelo menos duas décadas. A maior parte do material dito 'novo' não passa de derivação: a mesma história de sempre com um desenho diferente, às vezes nem mesmo isso. Os grandes artistas do segmento já morreram e, atualmente, os personagens são reféns de suas próprias franquias e os artistas não podem interferir na sua estrutura. Além do mais, é raro que surjam novos personagens, porque as editoras maiores saturam o mercado e sufocam qualquer possível concorrência em seu nascedouro, geralmente cooptando o artista para trabalhar em suas próprias franquias.
Mesmo passando por todo esse processo, o quadrinhista americano Paul Pope segue resistindo com seu trabalho autoral. Chegou a ser utilizado pela DC na produção de Batman: Ano 100 e nas minisséries de ficção científica 100% e Heavy Liquid, ambas da linha Vertigo, entre outros trabalhos. Pope é um dos raros artistas ocidentais a ter publicado na prestigiosa editora japonesa Kodansha. Sua vivência com tantas fontes de influência, que vão dos comics americanos aos quadrinhos japoneses e europeus, tornaram sua arte um cardápio rico e impactante, já reconhecida por três prêmios Eisner Award, em 2006 e 2007. Seu desenho algo relaxado investe no volume, no movimento e numa expressividade inusitados.
Essas qualidades estão todas presentes no álbum Bom de Briga (Battling Boy), originalmente editado em 2013 pela editora First Second Books, e publicado no Brasil em 2014 pela Editora Companhia da Letras em seu selo Quadrinhos na Cia.
Trata-se de uma história na linha New Weird, amálgama de ficção científica, fantasia e horror com uma ambientação realista. Bom de Briga é o nome de um garotinho de doze anos que acaba de chegar à cidade de Arcopolis, que se encontra sitiada pelo ataque de uma horda monstros de todos os tipos e tamanhos. O herói da cidade, o vigilante mascarado Haggard West, caiu numa emboscada e agora a cidade está completamente desprotegida. A chegada de Bom de Briga não é um acaso, pois ele tem uma missão: proteger Arcopolis. Isso porque, apesar de muito jovem, Bom de Briga não é um garoto qualquer. Ele é um semideus, vindo diretamente da cidade celestial, enviado por sua própria família divina para defender o lugar como uma espécie de rito de passagem para a divindade plena. Bom de Briga é poderoso e imortal, mas isso não torna a tarefa fácil. Logo de cara, ele tem que enfrentar Humbaba, um gigantesco monstro devorador de metal que está prestes a derrubar as defesas da cidade. E entra em ação com a confiança de um deus, mas falta de experiência é um sério obstáculo ao sucesso do garoto, que num momento de fraqueza e indecisão, acaba pedindo socorro ao pai, que o ajuda à distância, pois ele também está envolvido em seus próprios combates. Mas ele o adverte: "Não se fie em minha cômoda intervenção! Você deve repensar suas estratégias!" Ou seja, Bom de Briga terá de se virar sozinho dali em diante.
Exibida na tv, a luta de Bom de Briga e Humbaba torna o garoto no novo herói da cidade, recebido pelo governo com honras de estado e mimos, mas ele também o teme. Afinal, quem é esse Bom de Briga? Podemos confiar nele? A jovem Aurora, filha, assistente a agora órfã do falecido Haggard West, tenta assumir o posto do pai com a certeza que Bom de Briga não é digno dessa confiança. Enquanto isso, os monstros que, até então, agiam de forma desarticulada, começam a se organizar. Eles também não sabem quem é o menino que derrotou Humbaba tão facilmente, mas de uma coisa todos têm certeza: Bom de Briga precisa morrer.
A narrativa de Pope, somada a uma pletora de personagens instigantes, demonstra a mesma força das grandes sagas cósmicas criadas pelo ilustrador americano Jack Kirby (1917-1994), com um desenho agressivo e movimentado que reporta ao mangá e ao quadrinho europeu.
Bom de Briga tem 204 páginas em papel cuchê totalmente em cores, encadernação costurada e capa em cartão com laminação brilhante. Está, com certeza, entre as mais importantes publicações de quadrinhos no país em 2014.
Altamente recomendável.

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